Após a homologação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para a etapa de Educação Infantil e Ensino Fundamental (EI/EF) em 2017 e posterior homologação para a etapa do Ensino Médio (EM) em 2018, o Brasil iniciou um grande movimento de construção de seus currículos de redes estaduais e municipais. O processo de construção de uma base que norteasse a reformulação dos currículos era esperado e previsto desde a Constituição de 1988, e reforçado em diversas legislações como na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996, nas Diretrizes Curriculares e no Plano Nacional da Educação de 2014.
O ano de 2020 deveria ser um marco para a implementação dos currículos de EI/EF e de construção dos currículos do EM. A etapa de implementação curricular é crítica para garantir o alinhamento de diversos esforços educacionais como: nortear a elaboração de materiais didáticos específicos de rede, reformular a formação de professores, recriar as matrizes de avaliação da aprendizagem, entre outros. E a etapa de construção curricular presume participação e engajamento de diversos atores da rede em que está sendo construído.
O desafio de implementar e finalizar a construção dos currículos foi ampliado com a instauração da pandemia de COVID-19. Desde Março de 2020, as atividades escolares tiveram períodos de suspensão e de adaptação rápida a um modelo de ensino à distância sem planejamento prévio. Quem está nas escolas, nas secretarias e regionais de ensino se depararam com a questão de como dar continuidade à aprendizagem dos estudantes num cenário de incertezas?
Como uma das estratégias para diminuir o impacto negativo da COVID-19 na aprendizagem, causado pelo distanciamento dos estudantes do convívio com seus pares, professores e suspensão das aulas presenciais na escola, foi necessário realizar uma priorização das aprendizagens previstas nos currículos de rede. Essa priorização envolveu o estudo das habilidades dos currículos, escolha cuidadosa de habilidades essenciais para a continuidade da aprendizagem e que faziam sentido com o novo formato em que se dava a educação, ensino híbrido ou mesmo a distância.
Outra estratégia adotada em 2020 foi a adoção do continuum, adaptação curricular em que as aprendizagens previstas para dois anos foram reorganizadas, priorizadas e trabalhadas no tempo de um ano letivo¹. É provável que esta estratégia, assim como a priorização das habilidades essenciais, siga acontecendo ainda em 2022 e 2023. E é a partir destas estratégias que nortearemos formação de professores, avaliações e construção de materiais didáticos das nossas redes de ensino.
A título de curiosidade, algumas das redes municipais e estaduais que adotaram uma ou as duas estratégias foram as redes de Alagoas, Amazonas, Cariacica, Caruaru, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Pará, Pernambuco, Petrolina, Piauí, Rio de Janeiro, Sergipe, São Paulo, entre outras. Para os que se interessarem pela temática indico algumas plataformas que podem facilitar o mapeamento das ações relacionadas à respostas de enfrentamento da pandemia².
Os currículos de EI/EF, ainda em fase de implementação, precisaram ser comprimidos, recortados, repriorizados para que a aprendizagem pudesse continuar. E o caso do currículo do EM consegue ser ainda mais crítico. Com um formato inovador, com quebra de paradigmas como um maior foco em áreas de conhecimento e autonomia de escolha dos estudantes, este currículo ainda precisa ser apropriado pelas redes de ensino e já sofre as consequências com a entrada de estudantes vindos do Ensino Fundamental com grandes defasagens de aprendizagem.
Agora foquemos no momento presente. Com o avanço da imunização dos profissionais da educação contra COVID-19 no Brasil, as escolas se preparam para o tão aguardado retorno às aulas presenciais no segundo semestre de 2021. E dentre todos os esforços que serão necessários para garantir esse retorno seguro, é urgente nos apropriarmos e colocarmos no centro das discussões das escolas os nossos currículos.
Sabemos que nossos estudantes não voltarão a partir do mesmo ponto. As necessidades de recuperação e retomada serão diversas, e percebemos a imensa defasagem na aprendizagem causada pela desigualdade de acesso à tecnologias. Cada escola terá um cenário diferente para lidar, assim como cada turma. Um professor sozinho, olhando para este cenário, pode se sentir sobrecarregado e impotente, e por isso o trabalho coletivo, com todo o corpo escolar se debruçando sobre o currículo, nunca foi tão importante.
É necessário que apoiemos os nossos estudantes em seus desenvolvimentos enquanto sujeitos integrais e críticos, e para que tenhamos responsabilidade com esta missão, precisamos olhar para as habilidades, competências e valores que esperamos que nossos estudantes desenvolvam em suas trajetórias escolares.
Olhar agora para os currículos e se apropriar do que esperamos alcançar coletivamente pelos próximos três, quatro anos, pode não causar efeito na pandemia, mas com certeza diminuirá o impacto negativo que nossos estudantes sofrerão se não soubermos acolhê-los em seus diferentes níveis de necessidade para avançarem na aprendizagem.
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