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Jaqueline Vitoria Leite Novoletti

A garota que tinha medo de errar


Você se lembra dos seus medos de criança? Apagar a luz da cozinha e ir correndo para o quarto, no escuro, com a certeza de que, se não corresse depressa o suficiente, algum monstro iria te alcançar? Confesso que faço essa corrida até hoje! E quando chego no quarto ainda me envolvo no lençol para ter certeza de que estou em segurança.


Em 2020, através do Programa de Desenvolvimento de Lideranças para Educação da rede Ensina Brasil, descobri o propósito de fazer com que todos os estudantes exerçam seu direito à educação e decidi direcionar minha trajetória profissional para contribuir com esse direito. Me tornei ensina 2021 e hoje sou, ou melhor, prefiro dizer que estou professora de Língua Portuguesa na rede municipal de Petrolina/PE. Nós, participantes do programa, somos chamados de ensinas justamente porque atuamos em escolas públicas, desenvolvendo competências e gerando impacto social dentro da sala de aula.


Com a mudança de carreira, fui do corporativo empresarial ao corpo ativo escolar. A verdade é que nesses 9 meses no programa já relatei várias vezes que sempre fui apaixonada pelo ambiente escolar em todos os sentidos, mas dessa vez quero enfatizar aqueles cinco do corpo humano: o cheiro dos corredores, o gosto da merenda, a visão da sala de aula, o barulho do sinal tocando e o toque dos dedos virando as páginas do caderno. Eu era daquelas estudantes que nunca faltava. A escola era o meu lugar favorito no mundo, o lugar onde eu não tinha que correr depois de apagar a luz, o lugar onde eu não tinha medo.


A vida de professora, ainda no ensino remoto, me ajudou a enxergar as palavras que já faziam tanto sentido para mim, mas o retorno presencial foi o responsável por me fazer aplicá-las numa frase: na escola não devemos ter medo do erro, ou melhor, devemos nos valer exatamente dele. E isso é algo que eu lembro todos os dias em que piso na sala de aula. Afinal, durante algum tempo, sobretudo depois dos meus anos escolares, eu fui a garota que tinha medo de errar.


O que te levaria a ter medo de errar? As consequências práticas do erro, o julgamento alheio ou a autocrítica? No meu caso, era um combo que envolvia os três itens, acompanhado de batata-frita e refrigerante. Um medo que me impedia de tentar coisas novas, olhar para novas direções, assumir riscos em todas as esferas da vida. Eu havia me esquecido do quanto eu poderia tentar e só pensava no quanto eu poderia errar tentando.


Quando 2020 escancarou nossos medos em escala global, eu resolvi que queria experimentar de novo aquela sensação de ter um lugar favorito no mundo que me oferecesse segurança, além do meu lençol que me protegia todos os dias do monstro da cozinha. Um lugar onde eu pudesse depositar tentativas, esforços e concentração durante o processo. E os resultados? Bons ou ruins, viriam como consequência. E se não viessem? Tentaria de novo.


Decidi então voltar para o lugar seguro: a escola, onde a segurança não se dá por ser um ambiente no qual é impossível errar, mas onde é possível se valer do erro para aprender e corrigir, onde usamos inclusive um instrumento exclusivo para isso: a borracha, que borra e acha um espaço para escrever de novo. Onde nossas vulnerabilidades se expõem e nossas fortalezas tem tudo para serem potencializadas. Onde atravessamos vidas e somos atravessados numa frequência muito maior.


Agora, como docente, tento diariamente relembrar meus estudantes do quanto a escola deve ser usada como espaço de tentativas. Estimulo que testem verbalizar ou escrever hipóteses mesmo sem ter a certeza de que estão certas. Tento mostrar que o famigerado “não sei, professora” é como se apagassem a luz da cozinha, permanecendo no escuro, “não sabendo” que no fim das contas, não há monstro perseguidor quando se apaga a luz, que a chegada no quarto não precisa ser apressada e que tem vários interruptores pelo caminho. Relembro que as consequências práticas do erro são usar a borracha para abrir um novo espaço de tentativa, que o julgamento não deve existir porque não se trata de competição, mas de experiência, e que a autocrítica deve ser usada para avançar e não para impedir.


Assim, a oportunidade de viver uma trajetória docente tem me dado a chance diária de reforçar, a mim mesma e aos meus estudantes, a potência que a escola possui em nos permitir experimentar, construir, estar e, desde logo, ser, entendendo que já somos.


Como eu disse no início desse texto, ainda hoje continuo apagando a luz da cozinha e correndo para o quarto. É que o monstro do erro insiste em apostar corrida comigo todos os dias. Quando chego no quarto, fecho a porta na cara dele e digo: “ganhei!”. Depois me envolvo no lençol, cheia de segurança.


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