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Motivação e identidade na escola

Como estudante ou ex-estudante, você provavelmente já entrou em uma sala de aula, sentou na cadeira, assistiu a aula e no final saiu com a sensação de que nada do que estava sendo dito fazia sentido para você. E como professor? Você já teve essa sensação? Você já preparou uma aula que tinha certeza que os alunos iriam gostar e quando você chegou na sala de aula, os alunos estavam totalmente desinteressados? Acredito que a maioria dos professores já passaram por essas situações. Eu passo por isso quase que constantemente; encontrar o que motiva meus alunos e alinhar isso ao conteúdo que eles precisam aprender têm sido dos maiores desafios da minha trajetória como professora, seja no ensino remoto ou no ensino presencial.


A verdade é que não só eu, mas todos nós professores, pesquisadores e apaixonados pela educação, estamos o tempo todo nos ocupando em tentar descobrir maneiras de motivar os nossos alunos para que eles se engajem em seu próprio processo de aprendizado. Dentro do Ensina Brasil - programa de formação de lideranças na área da educação, da qual eu faço parte - somos convocados quase que constantemente, a refletir e a buscar maneiras de gerar engajamento e aprendizado para os nossos alunos. Seja falando sobre metodologias ativas, gestão de sala de aula ou desenvolvimento de competências socioemocionais, estamos sempre buscando novas formas de motivar os nossos estudantes.


Mas afinal, o que é a motivação e qual é a fórmula certa da motivação na educação? Como você já deve imaginar, não existe uma única resposta correta para essa pergunta. A motivação é um termo amplamente discutido na área da psicologia e mais especificamente no campo da psicologia da educação. Lewis (1963, p.560), em sua obra, diz que a motivação é “o energizador do comportamento”. Neste sentido, o comportamento humano seria moldado por aquilo que o motiva. Para Maslow (1954), por sua vez, o que motiva um ser humano seria ter as suas necessidades supridas, classificando essas necessidades humanas em uma ordem de prioridade que são: fisiológicas; de segurança; de relações sociais; de autoestima; e de autorrealização.


Dentre as necessidades citadas acima, a necessidade de autoestima se sobressai no período da adolescência. É principalmente nessa fase que a busca e a construção da identidade fica mais evidente. Sem dúvidas, a construção de uma identidade é parte fundamental da construção da autoestima dos adolescentes. É comum nessa idade as crianças fazerem questionamentos do tipo, “Quem sou eu?”; “Com o que, ou quem eu me identifico?”, “Quais são as minhas crenças?”, etc. “Tatum (2003) explica que essa busca por identidade na adolescência não se trata apenas de identidade étnica ou cultural, mas pode incluir aspectos como aspirações de carreira, crenças, valores religiosos, papéis de gênero e raça” (Milne, 2016). Neste cenário, o professor é uma das figuras centrais na vida do adolescente, exercendo uma influência na construção da identidade de seus alunos, seja ela positiva, auxiliando-os e conduzindo-os nesse processo, ou negativa, falando de forma pejorativa e/ou preconceituosa em relação a alguma característica identitária dos estudantes.


Uma das experiências que tive dentro do Ensina Brasil e que me despertou a buscar mecanismos para utilizar o fator identitário e cultural como um motivador para meus alunos foi o curso “La Pedagogía Basada en la Cultura”, ofertado pelo Teach for All (https://teachforall.org/); rede global de organizações com a missão de expandir oportunidades educacionais por todo mundo, e da qual o Ensina Brasil é parte. Esse curso me ajudou a compreender a importância do desenvolvimento da identidade na adolescência e como isso poderia ser um dos caminhos para motivar os meus alunos a se engajarem em seus processos de aprendizagem. Além disso, ele me apresentou alguns conceitos sobre identidade que acredito serem interessantes de destacar por aqui.


No livro Coloring in the White Spaces: Reclaiming Cultural Identity in Whitestream Schools (2016), Ann Milne traz que a identidade é constituída pela relação entre ‘quem’ a pessoa é e o que isso significa com relação aos outros. Por exemplo, o que constitui a identidade do ser “latinoamericano” depende de como o resto do mundo enxerga a América Latina, mais especificamente, depende de como a cultura dominante percebe e se relaciona com as culturas não dominantes. Segundo Milne (2016) “Nossas percepções de nós mesmos são moldadas pela maneira como os outros nos veem, e se não somos parte da cultura dominante, somos vistos como sendo diferentes ou "diversos" em comparação com as normas aceitas pela sociedade”. Nesse sentido, tratar de diversidade em sala de aula é, também, incluir as múltiplas identidades que estão sendo formadas e transformadas na adolescência. Como vivemos em um país de cultura não dominante, muitos dos nossos materiais didáticos trazem aspectos identitários de outras culturas ou não representam a diversidade identitária encontrada nas salas de aulas do Brasil atual. Por exemplo, no ensino de língua inglesa (disciplina que eu leciono) é comum haver muitos materiais e referências das culturas Norte Americanas e Britânicas, mas é muito raro encontrar referências culturais da Nigéria, África do Sul e Índia, que também são países, onde o inglês é uma língua oficial.


Nas aulas online, me propus a buscar conteúdos que apresentassem para os alunos diferentes referências culturais do mundo falante da língua inglesa, das quais eles poderiam conhecer e refletir, identificando elementos comuns e distintos se comparados às suas próprias identidades e referências culturais. Por mais que eu ainda não tenha trabalhado com esse tipo de material nas aulas presenciais, durante as experiências que eu tive nas aulas remotas, o engajamento e a motivação dos alunos me surpreenderam de forma muito positiva. Se por um lado houve espanto e estranhamento quanto a temática apresentada, por outro houve reflexão e apontamentos que eu mesma não estava esperando que viessem de alunos com tão pouca idade.


Em uma das aulas, passei para os alunos um conto nigeriano chamado Thunder and Lightning, e pedi para que eles observassem primeiramente as imagens e as palavras que eles conheciam. A partir disso, pedi para eles discorrerem sobre as suas primeiras impressões e suas respostas trouxeram temas muito interessantes como racismo, que se conecta com a identidade da maior parte dos meus alunos, e também temas como viver em sociedade, respeito e autoritarismo. Como professora, entendi que esses são temas que se conectam com a vivência dos meus alunos, sobretudo a temática racial, e fiquei muito feliz em ver que eles se sentiram à vontade para colocar suas percepções. Não foram todos os alunos que se engajaram dessa mesma forma, e sinto que eu poderia ter explorado melhor essa discussão, pois caso isso tivesse ocorrido, provavelmente mais alunos teriam se motivado com a temática. Aprender a ouvir e a explorar as percepções, desejos e necessidades dos meus alunos têm sido outro grande desafio para mim como professora.


Com essa experiência e outras que tive em sala de aula (seja como aluna ou professora), acredito que explorar as questões identitárias na adolescência seja um dos caminhos para gerar motivação. Visto que a busca pela identidade é uma necessidade latente na adolescência, trabalhar assuntos que se conectam com a cultura e a identidade dos estudantes, despertam o interesse e estimulam o engajamento dos alunos nas atividades propostas, permite que um dia eles se tornem os alunos protagonistas que tanto queremos.


Materiais extra:

• Site com vários contos do continente africano contados em diversas línguas incluindo inglês e português: http://www.africanstorybook.org/

• Site com diferentes tipos de cartoons do continente africano: https://africacartoons.com/


REFERÊNCIAS


TODOROV, João Claudio. MOREIRA, Márcio Borges. O conceito de motivação na psicologia. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva,005, Vol. VII, nº 1, 119-132. Disponível em: http://rbtcc.webhostusp.sti.usp.br/index.php/RBTCC/article/view/47/36. Acesso em: 02 set. 2021.


MILNE, Ann. Coloring in the White Spaces: Reclaiming Cultural Identity in Whitestream

Schools. 2016.New York. Peter Lang Publishing.

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