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Renan Rodrigues Leitier

A matéria mais importante da escola

Atualizado: 6 de ago. de 2021

Se você reparar bem ao redor, a arte te cerca o tempo inteiro. O artista de rua, o grafite na parede, os filmes no seu streaming, os games no celular, o romance que você lê antes de dormir, a música que você escolhe ou que te atravessa, escolhida pelo cara com o carro da mala aberta ou seu vizinho que insiste em ouvir música alta mostrando a todos seu bom gosto musical. Em todos os casos ela sempre vence, a grande heroína, a arte! Como poderíamos então distanciar a arte da escola?

A arte vem para auxiliar no desenvolvimento da expressão humana. Experimentando a arte você treina o ritmo, compreende as noções de tempo e espaço, desenvolve a oralidade, hipertrofia sua criatividade, expressa formas e conceitos que muitas vezes passam desapercebidas por toda uma sociedade que não experimentou a arte.


Arte (música, teatro, dança, visuais, cinema...), deveria ser inevitável na escola. Em tese ela está lá, impávida na nossa BNCC, mas todas as professoras e professores deveriam se apropriar da arte para desenvolver suas práticas pedagógicas. A arte tem a capacidade de encantar. E sendo plural como é, vai sem dificuldade abarcar a diversidade. Tudo que a escola, a vida e a humanidade precisam: serem encantados e contemplados. Um grupo de alunos pode encontrar alguma obra artística de algum segmento das artes em uma sala de aula e de maneira leve e até mesmo prazerosa pode ser possível trabalhar e aprender um conteúdo escolar previsto. Tudo é uma questão de entender o seu público, a necessidade da sua turma, seus objetivos docentes, escolher a linguagem artística de sua preferência e encontrar uma pedagogia que complete a ideia geral do planejamento.


Pense comigo: uma professora de História que tenha por objetivo abordar as agruras da Segunda Guerra Mundial, por exemplo. Sendo mais específico, o holocausto, genocídio iniciado pelos nazistas que culminou nos campos de concentração de Auschwitz e ceifou milhares de vidas humanas… A professora poderia optar por trabalhar em sala “Maus”, história em quadrinhos de Art Spiegelman que conta a história de seu pai, um sobrevivente dos campos do holocausto. Esta publicação ganhou o prêmio Pulitzer, considerado o Oscar do jornalismo mundial. Agora repare bem, se a elite máxima do jornalismo mundial reconhece a importância desta obra, como poderia os professores e gestores da educação básica brasileira deixarem ela passar despercebida? No caso da nossa professora de História, ela poderia adotar a leitura como conteúdo obrigatório nas suas aulas e dar a seus educandos essas (quase) 300 páginas de sensibilidade, habilidade artística, literatura e história. Eu poderia passar o dia inteiro indicando obras de arte e justificando sua importância dentro do ambiente escolar, mas vou deixá-los curiosos e espero despertar a vontade de pesquisar e investigar práticas artísticas para abordarem em suas aulas.


Em todo caso seguirei um pouco mais com a explanação. Sou professor em uma escola pública no sertão de Pernambuco, em Petrolina. Em uma de minhas aulas eu trabalhava uma habilidade que consistia em fazer uso da língua para expor pontos de vista voltados para a eficácia da comunicação. Primeiro, eu apresentei imagens de personagens com a legenda que representava a palavra respectiva aos seus estados, sentimentos e sensações: raiva, alegria, cansaço, estressado, sonolento, triste. Depois peguei um diálogo com 3 réplicas para dois personagens (alunos A e B). O diálogo foi criado pelos estudantes e por mim na aula anterior. A dinâmica era a seguinte: eu dava uma intenção para cada aluno, a intenção seria uma dessas sensações citadas acima, e cada um deles tinha que falar o texto buscando aquela sensação no corpo e na palavra falada. Exemplo: falar um “bom dia” chorando ou um “tudo bem com você?” gritando de raiva. O jogo coloca em xeque a fala vs. a sensação. A e B poderiam ou não estar no mesmo estado (sensação), mas inevitavelmente eles tinham que estar na mesma sintonia. Isso é teatro.


Eu percebi que quando proponho práticas não muito comuns na escola e os alunos e alunas gostam, eles se sentem mais à vontade na aula e acabam sendo mais engajados, participativos e comprometidos. Quando eu falo, por exemplo, que nossa atividade vem do teatro, eles próprios acabam trazendo suas referências no assunto e isso dá margem para muitos desmembramentos em sala de aula.


Quero dizer, esta é uma prática comum na pedagogia do teatro, onde estamos desenvolvendo todas essas habilidades requeridas em um contexto interpessoal de grupo, colocando o aluno como protagonista e identificando o colega de turma como coautor do protagonismo. Sabe quando o Brad Pitt recebeu o Oscar por seu trabalho em “Era uma vez em… Hollywood”? Ele agradeceu seu parceiro de cena, Leonardo DiCaprio, e perguntou por que não haviam trabalhado juntos antes. Aqui entre nós, o Brad Pitt não precisa de nada, mas aquela interpretação só seria possível se o Leo compartilhasse o protagonismo e estivesse na mesma sintonia de cena e acreditando no trabalho em grupo. Acredito que essa característica deve servir para todas as profissões.


Ninguém faz nada sozinho, a gente sempre precisa do outro. Fazemos parte de uma grande engrenagem e unidos, em rede, venceremos! E quando isso acontecer, ter alguém para compartilhar a comemoração da vitória será muito mais vivo.


Lembrando o lendário escritor Charles Bukowski, em seu poema “Style”, ele profetiza que o estilo é a resposta para tudo e que fazer uma coisa perigosa com estilo é arte! “Boxe pode ser arte, amar pode ser arte, abrir uma lata de sardinhas pode ser arte...” E eu digo, ensinar pode ser arte. Fique atento então ao estilo e lembre-se também da maravilhosa Lou Andreas Salomé: “Não tente adequar sua vida a modelos, nem queira você mesmo ser um modelo para ninguém”. E eu digo: seja inédito! Dê uma volta no mundo das artes, passeie no universo da educação e crie uma metodologia inovadora, acredite na educação artística. Pense numa escola nunca antes pensada e então todos os dias pela manhã, antes de uma longa jornada de trabalho, respire fundo e lembre-se: Arte é a matéria mais importante da escola.

Para complementar a leitura, deixamos aqui o link para o filme curta-metragem documentário feito pelo autor do texto, Renan Leitier. Doc Escolas: Arte na Educação registra a realidade de uma professora de teatro e um professor de música com seus respectivos alunos da rede pública carioca. O vídeo é um trabalho em progresso e ainda será completado com mais professores, alunos e diferentes segmentos da arte na escola. Boa viagem..





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