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Marília Ferreira Rodrigues

Educar também é revolução

Aos dez anos eu sabia que queria mudar o mundo. Eu queria consertar o que estivesse errado, dar voz àqueles que achavam que não tinham voz, levar sonhos e esperanças para cada ser humano na terra. Claro que, aos dez anos, com a ingenuidade de uma criança, eu tinha a rotina de comprar pirulito, fazer cartaz e entregar bilhetes, crendo que isso levaria a poesia que faltava à vida das pessoas. Ao mesmo tempo, tendo o temperamento de um vulcão e a determinação de uma ganhadora de olimpíada, eu elaborava protestos, escrevia manifestos e estava a cada dia lutando contra uma nova injustiça.


Aos dez anos eu sabia que queria mudar o mundo. Só não sabia como.


Sempre ouvi a ideia de educação vinculada a conceitos como vocação, amor, maternidade. Não que educar não tenha a ver com esses conceitos, mas eu, pessoalmente, não me identificava com nenhum deles. Pensar em lecionar era atrelado a estudo, esforço e dedicação. Era relacionado ao pensar exaustivamente em como melhorar a vida de alguém e como me tornar melhor a cada dia. Tinha muito mais a ver com a mentalidade de plantar uma semente do que a de abraçar uma árvore. Por causa dessa concepção imatura da docência, eu demorei a entender que poderia me encaixar. Eu me considerava rebelde demais e fazia perguntas demais para quem queria ser professora.

Aos quinze anos, descobri que perguntar era, nada mais nada menos, que o cerne de lecionar. Na verdade, ser professor e fazer perguntas estava tão ligado que poderia ser até sinônimo. Foi assim que eu percebi que seria a partir da sala de aula que eu levaria minha revolução adiante.


A partir da minha vivência como professora eu poderia ser acolhimento e impulso rebelde, poderia levar aos alunos sonhos e a percepção de que eles poderiam ser quem eles quisessem ser.


Me redescobrir todos os dias dentro da sala de aula – independente do seu formato físico ou digital - me faz redescobrir todos os dias os motivos de ter entrado nessa montanha russa. Fazer parte da educação básica no Brasil, principalmente a pública, não é fácil, não é romântico, não é uma receita de bolo. É talvez bater todos os ingredientes em um liquidificador sem tampa na velocidade máxima. Talvez tenhamos mais obstáculos que atalhos. Na verdade, desculpa, não teremos atalho nenhum. É acordar bem cedinho pela manhã, tomar um gigantesco copo de café e encarar alunos que, em sua maioria, não queriam estar lá, e outro tantos que não sabem por que estão ali. É planejar e replanejar aula e sair tudo diferente mesmo assim. É continuar estudando até ficar com sono e precisar de outro gigantesco copo de café.

Há beleza também, como dizia um antigo professor, na simplicidade do chão da escola. Desde um bom dia de alguém que parece ter tido, naquela aula, o primeiro momento bom, a uma partilha de um aluno que percebeu que vocês têm gostos de leituras parecidos, ou a um café feito na hora pela moça da cozinha que lembrou especificamente que você gosta. Há beleza no turbilhão de mudanças acontecendo o tempo todo. Um novo aprendizado, um novo talento descoberto, um novo amigo feito, uma nova troca entre professores que buscam juntos fazer a educação crescer. Há beleza em enxergar que a educação é mais que sala de aula, é a vivência que cada estudante traz na mochila, é a história dos familiares e da comunidade em que está inserida, é a experiência pessoal dos professores como alunos e a experiência dos próprios alunos em ensinar o que sabem.

Fazer parte da educação básica no Brasil não é um filme de sessão da tarde. É preciso estudo, dedicação e, principalmente, talvez, o espírito de furação de uma criança de dez anos que quer mudar o mundo para lutar contra todos os obstáculos, enfrentar um sistema e mostrar para cada um dos seus estudantes que eles podem ser os próximos rebeldes a mudar o mundo. É preciso a coragem de se redescobrir todos os dias e mais coragem ainda para manter o cerne sonhador de uma criança, na ingenuidade de manter a poesia, para garantir que nenhuma condição social possa moldar um sonho, que nenhuma estrutura pré-concebida possa definir quem iremos ser, e quem inspiraremos nossos estudantes a serem.

Fazer parte da educação básica no Brasil é acreditar que um dia todas as crianças terão uma educação de qualidade. Não por vocação, por amor, mas por amor ao que podemos ser. Um amor revolucionário de quem não vai desistir de lutar por esse ideal.


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